Coleção ‘Fala,Helipa!’

Tallyta Pavan
4 min readMay 18, 2021

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Parte 2/3 — Revista ‘Q Fita É Essa?!’

Entre oficinas de produção de texto e fotojornalismo, jovens de Heliópolis são inseridos na área da comunicação

Photo by Jonas Jacobsson on Unsplash

A REVISTA DA JUVENTUDE

Além dos radialistas, os jovens também têm espaço para se comunicar. A revista ‘Q Fita É Essa?!’ é um projeto proposto pelo educador Sylvio Ayala, para concluir um trabalho de conscientização para menores de idade sobre o uso do álcool.

Durante o projeto, que acontece no decorrer de um ano, vinte jovens participantes recebem aulas de leitura e escrita, para ajudá-los a se realocarem socialmente. Sylvio propôs a revista para contar as histórias adquiridas durante os doze meses.

Até 2019, se acumulam três edições, dos anos 2013, 2014 e depois apenas nos anos 2017/2018 que, somando, deram origem a última edição. Nos anos que a revista não foi publicada (2015 e 2016), por falta de verbas vindas da instituição que financia o trabalho de conscientização, o trabalho não conseguiu ser produzido e finalizado. Mesmo assim, o incentivo aos participantes continuou acontecendo, como nos conta Sylvio.

Para muitos desses jovens, esse é o primeiro contato com o mundo da comunicação: reuniões de pauta, apuração, formatação de texto e reportagens. Etapa por etapa, o trabalho vai ganhando forma.

Como comunicador, Ayala acredita que esses projetos são uma porta para despertar novos jornalistas. “Nossa missão é colocar essa comunicação social na mão da população e com os jovens fazendo isso, alguns deles acabam seguindo o jornalismo como profissão”, reforça com entusiasmo.

“O papel é importante, mas a camiseta também, os áudios, os podcasts, todas essas formas de veicular mensagem, de protestar, de denunciar. Você tem desde uma atuação poética até uma atuação política”, comenta.

O objetivo da ‘Q Fita É Essa?!’ é também ser um veículo de conteúdo acessível para a juventude periférica, visto que muitos podem não ter acesso a essas oportunidades de conhecer a produção nos grandes veículos de mídia. “Cabe a nós facilitarmos esses caminhos e esses instrumentos”, conta Sylvio. “Todo jeito de se fazer notícia precisa ser democratizado”, enfatiza.

Um dos objetivos é que o jovem ache seu lugar de atuação — Sylvio Ayala

“A principal ideia do Sylvio foi, e continua sendo, diminuir a dificuldade dos jovens em ler e escrever” diz Ninive Loriana, ex participante da revista ‘Q Fita É Essa?!’ e, atualmente, publicitária. “É fazer com que eles não vejam a escrita como uma barreira, mas sim como uma oportunidade deles se expressarem e terem a oportunidade de criar, de fazer a diferença”, explica.

Com base na pesquisa mais recente dos Retratos da Leitura no Brasil (2015), realizada pelo instituto Pró-Livro, 54% das pessoas leem revistas ao menos uma vez por semana

Deste mesmo número, 9% relata não ter paciência para ler. Pensando nisso, a revista possui uma linguagem mais familiarizada com a comunidade e uma abordagem de fácil compreensão. E a comunidade vira pauta, tendo matérias, poemas e manifestos dos moradores jovens sendo escritos. Isso intriga os residentes da comunidade a se mobilizarem e criarem um hábito de leitura.

“Eu cuidava da parte administrativa enquanto o Sylvio cuidava da articulação editorial. A revista surgiu por conta de um projeto e como ele acabou, a revista também” declara Loriana. “Falta interesse de alguém que invista e faça o projeto ir pra frente” conclui, sem perder a esperança de que o projeto volte e continue mudando vidas, dando voz aos jovens do bairro.

> Uma memória de Lutas

“Heliópolis só existe por causa das lutas”, é assim que Nínive resume a história de seu bairro, construído através de conquistas públicas. A pergunta é: como manter essas histórias vivas para quem chega hoje?

A publicitária responde que os jornais farão isso e que, além de um instrumento para recordar a história, os veículos também podem ser instrumentos para vencer uma outra batalha: mostrar para outros que a comunidade é mais do que a imagem que moldam do lado de fora. “Se distribuíssem isso para mais pessoas, o preconceito diminuiria. Faltam veículos para contar a verdadeira história daqui”, finaliza.

A comunicação e a mobilização dos próprios habitantes para a quebra do pré-conceito construído por aqueles que não conhecem é um ato de resistência puro. A união e a força que a comunidade faz para proporcionar experiências profissionais de forma interna afeta diretamente com o destino das crianças e jovens. A informação pode mudar o rumo daquele que a possui.

O texto acima é parte de um trabalho acadêmico chamado ‘LADO B — Heliópolis’, uma revista voltada para a comunidade e colocando a mesma em evidência, valorizando e mostrando o lado que a maioria das mídias não procuram relatar. Este texto contém pequenas alterações do texto original. Originalmente produzido em conjunto com o jornalista Lucas Campelo.

A revista é obra dos seguintes jornalistas: Amanda Alves, Amanda Schnaider, Bruna Zanin, Bruno Santana, Erick Astolpho, Guilherme Assumpção, Izabella Macedo, Jefferson Campel, João Loures, João Machado, Jonas Kauffman, Laura Castro, Lucas Campelo, Luciano Massi, Maria Morato, Mariana Checoni, Tallyta Pavan e Thamyres Kasperavicius

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Tallyta Pavan

Jornalista. 22 anos. Me encontro nas entrelinhas daqueles que poetizam sobre a vida e acredito na prática de ubuntu.